domingo, 28 de maio de 2017

O QUE FALTA SER DITO AFINAL?

    NALDOVELHO


    Por estas paragens desertas
    manhãs derramadas incertas,
    caminhos sombrios, solitários,
    de vento que venta ao contrário
    e dissemina o outono em minha vida,
    cicatrizes antigas feridas.
    sentimento de coisa sem dono,
    rei deposto, sem pátria e sem trono,
    emoção descabida, muitos sonhos,
    e eu assim como se fosse um estranho,
    pergunto ao tempo o porquê,
    e ele responde que é como tinha de ser.

    Um coração que só sabe bater afrontado,
    um trem que só anda atrasado,
    já estou faz tempo nesta estação
    e ainda toca aquela maldita canção...
    a que fala de dias nublados e friorentos,
    mas se queres saber eu ainda aguento
    caminhar por estas paragens desertas,
    dobrar esquinas silenciosas, incertas,
    cultivar palavras de dissipar tempestades,
    dizer que eu te amo apesar da saudade,
    e que a esperança aumenta mais a ansiedade...
    Palavras poemas, bobagens, minhas verdades.


    O que falta ser dito afinal?

quinta-feira, 25 de maio de 2017

NOVELOS DE LÃ

    NALDOVELHO

    Novelos de lã embaraçados, tapeçaria inacabada,
    janela escancarada, manhã sonolenta de maio,
    um vento frio invade o meu quarto,
    em cima da mesa, folhas de papel em branco,
    faz tempo não escrevo nada.

    Na vitrola um disco de vinil, ainda os tenho!
    Mania de coisas antigas,
    guardados que me alimentam o espírito,
    significados, imagens, poemas,
    coisas de há muito ultrapassadas.

    Pelas ruas floresce a loucura
    e eu aqui a insistir na ternura
    tento desencravar um verso.
    Na estante meus santos conversam,
    o eremita observa e se compadece.

    Maria que a tudo assisti,
    amorosamente sorri!

terça-feira, 23 de maio de 2017

ATÉ QUANDO?

    NALDOVELHO


    Sobre a pedra polida e fria
    a água se espalha
    em busca de um caminho.
    Sob a pele que permeia o dia
    um leito ressequido de rio.
    Sob a rua enluarada
    os intestinos da cidade.

    Da janela do meu quarto
    eu percebo no horizonte
    pássaros em revoada
    em busca de um oásis distante.

    Minha alma chora,
    mas ainda é cedo para ir embora.
    Não há nada de novo nas horas,
    tudo é hoje como era antes.

    E uma voz numa prece suplicante
    pede ao Pai por piedade,
    pois eles não sabem o que fazem...

    Até quando?



domingo, 7 de maio de 2017

DELICADEZA

    NALDOVELHO

    Eu trago a ternura
    estampada em meu sorriso,
    um olhar meio assim sem juízo;
    mania de caminhar
    entre escombros
    na esperança de colher
    coisas esquecidas por seus donos.

    Eu tenho o defeito
    de levar muitos tombos,
    meus amores, minhas perdas,
    e a teimosia de caminhar
    pela beira do abismo,
    meio sábio, meio demente,
    aprendiz na arte de ser gente.

    Eu tenho o costume
    de orar pelo mundo que eu vejo,
    de construir caminhos
    que dissolvam meus medos,
    de cultivar em mim a solidão
    que alimenta e devora,
    nostalgia que não vai embora.

    Eu trago em mim a delicadeza
    que permeia meus sonhos,
    coisa de quem acredita em magia,
    e que nos estertores da madrugada
    beija sempre a boca de um novo dia
    e chora de emoção
    ao ver o sol nascer.


quarta-feira, 3 de maio de 2017

É SOBRE PORTAS E JANELAS

    NALDOVELHO

    É sobre portas e janelas
    que eu preciso falar,
    é sobre tessituras de sonhos,
    poder caminhar pela vida,
    molhar meus pés
    nas águas de um rio
    que lá no fim dos tempos
    vai desembocar no mar.

    É sobre cair e levantar,
    possibilidade de mais uma dança,
    sorriso puro de criança,
    vinho suave e encorpado,
    amanhecer de outono ao teu lado,
    coisas simples de se falar,
    noites friorentas,
    magia de luar.

    É sobre mulher amada,
    pernas enroscadas,
    já nem sei quais são as minhas,
    e dá uma preguiça danada,
    madrugadas friorentas de maio,
    café coado sem pressa,
    cigarros compartilhados,
    coisas boas de sonhar.

    É sobre portas e janelas
    e de preferência abertas,
    teu ombro amigo
    nas horas incertas,
    sussurros, gemidos, grunhidos,
    suor, saliva, sêmen, semente,
    água pura de nascente,
    essência de alfazema pelo ar.

terça-feira, 2 de maio de 2017

JÁ NÃO VALE A PENA CONTINUAR

    NALDOVELHO

    Sem temer a solidão e o silêncio
    o poema caminha pelas ruas
    em busca de novas possibilidades.
    Ignora o que o passado possa lhe dizer,
    nega nostalgias e saudades,
    e ao tentar dobrar esquinas,
    colhe sementes de pé de vento,
    distanciamentos, fim dos tempos.

    Sem temer a solidão e o silêncio
    o poema já não reconhece
    a saudade ardida, a lágrima derramada,
    a despedida...
    Ignora a dor do poeta,
    virou coisa fria e amarga,
    semeia um tempo de indelicadezas,
    nada que possa nos emocionar.